25 março, 2018

um grito abafado

Criei em mim uma casca protetora em uma tentativa equivocada de ocultar minhas fraquezas e vulnerabilidades. Silenciei as vozes que vinham do meu peito e tentei inultimente dar atenção apenas ao que a minha razão tentava me fazer enxergar. Me omiti por tantas vezes que quando ousei falar não me reconheci. Fechei cada fresta que autorizava a luz do sol entrar, permitindo que a poeira do meu silêncio acumulasse. Chorei todo meu reservatório de forças e me esgostei
Aos olhos alheios sou como rocha inabalável que nenhum vendaval é capaz de derrubar. Meu sorriso solto e minha conversa agradável me ajudam a sustentar esse teatro solo que protagonizo. Mas são em dias como hoje, em que a chuva castiga o telhado e o frio entra pelas brechas das portas, que minha conversa se torna curta e insípida. Dias em que desejo que alguém faça uma pequena ranhura em minha casca, permitindo que os raios de sol rompam a minha cápsula, levando embora o cheiro de mofo e abandono.

08 maio, 2013

Enxaqueca



Um latejar constante de dor e confusão
 que fica e não cessa, 
que embala e desorganiza, 
que vira bagunça, 
que faz minar lágrimas 
e que seca a boca com gosto de saudade
Um desejo pulsante e recriminado, 
um não querer sentir sentindo, 
porque é errado, 
porque é proibido, 
porque faz doer 
e porque é pecado
Um pecado doce, 
que te faz bem 
e que se faz bem. 
Pecado de um sentimento divino
puro e inocente
- ou não. 
Verdade  escondida e exalada 
com cheiro de desprezo e desapego.
 É medo, amor, não é não querer
É o relutante saber da dependência
que se tenta ocultar 
na esperança que se torne tão tênue 
que se rompa. 

04 janeiro, 2013

Matinal



Beijou-me a boca com gosto de café e manteiga, me acordando de um sono preguiçoso e de um sonho real. As gotinhas de chuva que castigavam a janela reverberavam pelo meu corpo e massageavam minha preguiça de manhã. Aninhou-se ao meu lado, querendo um cafuné matinal e se abrigando do frio calmo que fazia fora das cobertas. Sua mão macia alisava minha pele me fazendo arrepiar, cada terminação nervosa de meu corpo alerta. Sussurrou calmo em meu ouvido “Sua pele é tão macia que sinto vontade de te devorar”. E devorou-me. Era uma paixão sedenta e incontrolável sendo alimentada. Teus dedos grossos apertando minha carne deixando marcas, teus lábios doces percorrendo meu corpo, tua língua incontrolável... Eu sentia o gosto salgado da sua pele entre meus dentes, sentia teu corpo pulsando sobre o meu. Dançamos sem música.

06 novembro, 2012

Subproduto de Rock - Conto (Parte III)

Assim, a amizade entre os garotos começou a fluir, João já almoçava ou jantava na casa de Pedro, isso quando não fazia os dois. Pedro era o baterista da banda e dono da garagem em que tocavam. Garagem tal, que se tornou primeira casa de João, que já se esquecera de dar bom dia à mãe e nem cumprimentava o pai. João virara banda. 

E esta então começou a alçar voou. O primeiro show já lotou o barzinho do Seu José, todo mundo querendo ver os garotinhos da esquina que faziam um som “maneiro”. Eles cantaram Caetano, Elis, Gil, até uma musiquinha de autoria própria, que grudou na cabecinha do público, que saiu do show catando “Nosso amor foi um engano.”. 

Era assim quase todo sábado à noite. A bandinha da garagem do Pedro tocava lá no bar do Seu José, ou em outro ainda mais bem frequentado. Foi criando fama, todo mundo recomendava aos amigos que ouvissem e que fossem aos shows. E lá iam eles, lotar os bares e os corações dos garotos. Fazer um sorriso nervoso brotar no rosto de João, o garoto despojado de voz rouca que cantava com um cigarro aceso nos lábios.

O problema é que João se tornara um rapaz de vícios. Vícios de musicas, de shows, de cigarro e das garotinhas que eles conheciam. Mas dessas garotinhas somente a uma João se apegou. Alma. 

A menina ia a todos os shows e João sempre a via lá de cima. Acenava para ela que ficava toda pomposa. Um dia então ele resolveu procura-la. E encontrou. Saíram pra tomar uma cerveja depois do show, se conhecer; riram a beça. E foi assim que Alma encantou o coração de João. Fazendo-o ri toda vez que acabava de cantar. Alma não se importava se João fumasse e se depois do sexo ele só quisesse que ela repousasse quieta em seu peito, apenas sentindo os subir e descer da sua respiração descompassada e a fumaça tragada a circular por teu pulmão. Ela não se importava quando João tocava a campainha às duas horas da manhã, com frio e fome, depois de brigar com a mãe, que reclama porque o filho não parava mais em casa e por fumar tanto. 

Mas João era teimoso. Alma tanto falava sobre seus vícios, mas o garoto birrento, antes de chegar ao meio da discussão, já saia batendo o pé porta a fora. Ia andar, arejar a cabeça, fumar um cigarro ou dois com Pedro, e beber aquele uísque barato que não faltava na casa do amigo. 

E Alma saturou-se. Procurou sua prima Vera, pediu conselhos, chorou pitangas no ombro da moça. E Vera, razão até os ossos, sem uma gota de amor a circular pelo sangue, disse apenas “Você tá certa, aquele crápula não vale o prato que come.” Alma, coitada, desolada voltou para casa, o coração estraçalhado. E João lá, sem nem imaginar o que lhe esperava quando voltasse. João era assim, meio “nem aí” pra vida. Mas amava Alma, era impossível negar. João era Alma em tudo. Em música que compunha e música que cantava, até em música que sentia. Porque João era repleto de música. Música e Alma.

01 novembro, 2012

Pequena,


tudo tem se destruído, a vida anda sem sentido, sem perigo, sempre igual. Eu tenho tentado buscar um porquê e então percebi que ando me escondendo entre as fendas do que o sou e o que vivo. Abriguei-me sob um véu de fantasias que criei tentando me ocultar de uma realidade que pesava demais para que eu pudesse suportar. Escondi-me desejando que alguém me descobrisse, que me decifrasse e desfrutassem cada partícula que forma minh’alma. Alguém, como você, que ao ouvir minhas músicas descobrisse a verdade nelas encravada. Alguém que me decodificasse pelos olhos e pelos lábios.

Apenas queria que notassem que não sou complexo demais e que meus nós não são tão apertados. Notariam que a é tênue a linha que conecta quem sou e quem represento ser.  Tornei-me invisível aos outros, e mais importante ainda, tornei-me invisível a mim.

 E entenda que não me queixo do modo como vivo, afinal, tudo tem sido efeito das escolhas que fiz e faço, apenas quero esclarecer que às vezes sou quem sou, e às vezes sou quem não escolho ser. E portanto, não peço que compreenda algo que até eu ainda busco compreender, nem peço que me aceite com todos esses defeitos de fabricação, mas confesso-lhe que se ainda me coubesse um desejo seria o de que me esperasse, que me desse o tempo que preciso para encontrar a sensatez e que me acolhesse quando eu apenas precisar de um colo quente. Porque apenas tu, morena, tens o que preciso para sobreviver. Porque meus remendos estão se desfazendo e minhas máscaras desmontam-se com rapidez, e apenas teu beijo e teu calor de mulher que me anestesiam e me restauram.

Peço apenas que me deixe cuidar de ti, assim como prometi, e que um dia morena, um dia sejamos apenas nossos nós juntos, nunca separados ou desatados, porque nós nascemos para ser um, e não apenas metades.

29 outubro, 2012


Eu te procurei em cada canto da cidade, embaixo dos colchões, na poeira dos livros velhos e até no orvalho... Sorri sem jeito para um alguém na rua esperando encontrar alguém que me sorrisse de volta assim como você sorria nas manhãs de domingo, quando acordávamos preguiçosos, mas sedentos de amor... Senti saudades dos teus olhos semicerrados me observando através do espelho quebrado do banheiro.
Você me preenchia de tantas formas e agora apenas o abismo me completa. E não é que eu seja sentimentalista ou romântica demais, é só que sem teu corpo me aquecendo durante a madrugada eu congelo, meus nós se desfazem e meus remendos mal feitos ficam expostos. É que a união da tua pele com a minha vem funcionando como cicatrizante, como anestésico. E sem você só há caos...

13 agosto, 2012

Meu medo sútil.


Um dia perguntaram-me do que eu tinha medo,
simples e chorosamente respondi que temia sorrisos.
Estranhamente perguntaram-me o porquê
e como resposta apenas sorri.
Pois sorrisos são como presentes ruins em embrulhos formosos.
Por fora esplêndido.
Por dentro dignos de pena.